A 16ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, julgou em 8 de junho de 2021, o Agravo de Instrumento nº 2075933-13.2021.8.26.0000, decidindo sobre a possibilidade da penhora parcial de imóvel de valor vultoso, mesmo que destinado à moradia dos devedores.
A ação de execução de título extrajudicial foi ajuizada por uma instituição bancária em face de um casal de devedores, onde inicialmente o pedido de penhora do imóvel com valor declarado de R$ 24.000.000,00 (vinte e quatro milhões) foi desconstituído pelo magistrado da execução, com o fundamento de tratar-se de bem de família comprovadamente destinado à moradia dos devedores.
O artigo 1º da lei nº 8.009/90, dispõe sobre a impenhorabilidade do imóvel residencial próprio do casal ou de entidade familiar, não respondendo por qualquer tipo de dívida, independentemente de seu valor, salvo hipóteses prevista na lei.
No entanto, conforme entendimento recente da 16ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, “apesar de o referido dispositivo legal não ter fixado um limite de valor para que o bem destinado à moradia seja impenhorável, a interpretação do art. 1º da Lei 8.009/90 não pode ser dissociada de seus fins sociais e das exigências do bem comum, bem como dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, proporcionalidade, razoabilidade, legalidade, publicidade e eficiência”.
Na decisão, o Tribunal fundamentou que a lei nº 8.009/90 objetivou garantir aos devedores a manutenção de um patrimônio suficiente para lhes proporcionar uma moradia digna, preservando o mínimo necessário à garantia de sua dignidade como pessoa humana. Os desembargadores indagaram se essa proteção conferida pela lei se estende a uma luxuosa cobertura localizada na Praia de Ipanema, no Rio de Janeiro, com valor superior ao patrimônio total da grande maioria dos brasileiros, e afirmaram que “nenhuma pessoa, ainda que integrante do topo da pirâmide econômica da sociedade, necessita de um imóvel nesse valor para a preservação de sua dignidade como pessoa humana” e que o “objetivo da impenhorabilidade do bem de família se destina à proteção do mínimo existencial e não da totalidade de seu valor”.
Argumentaram que a proibição de penhora de imóvel de alto valor, viola os princípios constitucionais da igualdade, razoabilidade, proporcionalidade, efetividade da prestação jurisdicional de ação e duração razoável do processo, visto que coloca devedores de alta e baixa renda em posições assimétricas. Para fundamentar essa argumentação, os desembargadores afirmaram que enquanto os ricos “podem concentrar toda sua fortuna num único imóvel para brindá-lo contra a penhora”, os pobres normalmente adquirem com muito esforço, um segundo imóvel simples, assim como aquele onde reside, visando complementar sua renda, ficando em desvantagem e desamparado pela legislação em relação à parte de seu patrimônio.
Por fim, os desembargadores decidiram por maioria dos votos, pela impenhorabilidade de 10% (dez por cento) do valor declarado do imóvel, totalizando a quantia de R$ 2.400.000,00 (dois milhões e quatrocentos mil reais), valor este que entenderam ser suficiente para a garantia de uma moradia digna, observando-se a situação social dos devedores, já que exigir que morassem em imóvel de pequeno valor significaria impor tratamento indigno. Destacaram ao final da decisão, que esse valor possibilita aos devedores “a aquisição de imóvel de razoável conforto em qualquer cidade deste País”.
A equipe do Monteiro de Barros Advogados seguirá acompanhando as decisões mais recentes e jurisprudência sobre o tema, colocando-se desde já à disposição para maiores esclarecimentos sobre o tema.